06 de Abril de 1897

Amigo Ber,
fiquei realmente contente com tua carta. Quanto tempo que não escrevias? Sempre é bom receber palavras tuas. Vejo que estás bem amparado por essa jovem ajudante, e isso é o mínimo que podias receber depois de vida tão profícua e dedicada ao teu ofício. Perceba: o mar, este o qual olho todo santo dia depois de acordar, parece a mim tão indiferente a tudo, tão distante de qualquer sentimento humano, que não tenho tempo para pensá-lo. Da mesma forma, as flores que desabrocham no jardim. Sou pai de família, tenho esposa para cuidar, filhos para educar e uma centenas de outros pormenores que realizar durante o dia. Não sinto o tempo. Não o vejo. Meu rosto, apesar de possuir já suas marcas indeléveis, me parece o mesmo da juventude. Não há espaço em minha vida para melancolia, vivo plenamente. Cumpro minhas obrigações com o mesmo afinco que as abelhas protegem sua rainha. É bonita demais a vida para perder-me em divagações que não me levaram a lugar algum. Me compraz olhar meus filhos crescerem, como o trigo que irrompe a terra em busca de um raio de sol para poder ganhar em beleza e tamanho. Não te apequenes, velho amigo, tua existência não será esquecida. Ergue teus braços e agradece, pois a doença de que te queixas, não é de maneira nenhuma um castigo. Não fostes ainda mandado ao céu, nem ao inferno, ânimo, pois é disso que todos nós precisamos: ânimo. Tua bondade é indiscutível, e não lamenta um instante sequer não ter sido compreendido. O amor que carregas nunca precisou de resposta, sempre soube a si mesmo. Tenha paciência, Ber, paciência.
E tuas margaridas e tuas violetas como estão? E o velho Laico, ainda late para a fumaça do teu charuto? Aliás, continuas fumando? Bom, todos aqui esperamos que possas melhorar e fazer-nos uma visita breve. O quarto de hóspedes tem agora o velho piano de Catarina, onde poderás exercitar tuas mãos leves e ligeiras.
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Abraços afetuosos
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Vito